sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A GLOBALIZAÇÃO E A TRANSNACIONALIDADE DO CRIME


Um texto que fiz na faculdade...em 2008(início)

Mudanças cognitivas acerca da percepção da realidade do mundo, que no passado remoto aconteciam apenas ao longo de gerações, a partir da segunda metade do século XX passaram a ocorrer em algumas décadas, ou poucos anos, tendo hoje seus ciclos encurtados, eventualmente, até mesmo para meses.
A obsolescência, obviamente, se torna uma marca desses novos tempos em que o conhecimento passa a poder ser produzido em ciclos cada vez mais curtos. Os atuais microcomputadores, ou "computadores pessoais", são parte essencial do processo atual de modernização do conhecimento, tornando possível, corriqueiro e simples, para milhões de indivíduos, o processamento de consideráveis volumes de dados. Esta tarefa é hoje realizável com qualidade nunca antes imaginada, em um fenômeno cuja aceleração não tem paralelo com o que tenha existido de mais similar no passado. Pertence a tal passado a utilização, restrita a um pequeno número de usuários, de computadores de grande porte e minicomputadores, ancestrais dos atuais microcomputadores e sucessores das tradicionais "máquinas de calcular", que por sua vez remontam a ferramentas computacionais manuais tão antigas como o ábaco. Assim, os microcomputadores não são apenas capazes de processar significativas quantidades de dados com grande qualidade agregada, mas também universalizaram tal possibilidade de utilização.
Em um exemplo mais recente e genérico, o complexo cultural da moderna tecnologia possibilitou a interação humana virtual, face-a-face (com som e imagem), em um "ambiente de rede mundial" (Internet), capaz de unir e integrar indivíduos antes completamente separados pelas grandes distâncias da Terra. A efetividade e a rapidez das comunicações globais, fruto dos modernos sistemas de transporte aéreo e da telemática, foram fundamentais nesse processo, contribuindo para que a humanidade, antes dispersa e fragmentada, passasse a viver o fenômeno da chamada globalização ou transnacionalização . Isso atingiu também o crime, fazendo com que ele passasse a ter novas e múltiplas expressões e possibilidades.
As sociedades atuais estão cada vez mais dependentes do fenômeno da na globalização. Este fenômeno não aumentou apenas a intensidade das trocas e transações sociais transfronteiriças “benignas” (comunicações, cultura, pessoas, serviços, bens), mas também permitiu a transação de ameaças e riscos. Nestas transações, as atividades das organizações criminosas assumem um importante papel, pois, movidas pela procura do lucro, encontram na globalização o ambiente favorável à sua expansão.
Assim é que a globalização ou transnacionalização do crime está associada a vários fatores, a maioria deles derivados da própria evolução tecnológica da sociedade moderna. A prevalência desses novos crimes transcende, por isso mesmo, os limites territoriais dos Estados Nacionais, fazendo com que eles passem a ser também referidos como transnacionais, já que algumas organizações criminais modernas, ao desenvolverem hoje suas atividades, não respeitam divisas ou fronteiras nacionais, demonstrando um considerável poder de articulação e planejamento, exibidos com uma sofisticação e arrojo nunca antes observados.
A globalização – ou mundialização como alguns preferem –, ao traduzir a crescente interligação e interdependência entre os países, em resultado da liberalização dos fluxos internacionais de comércio, de capitais, de tecnologias e de informação e da mobilidade acrescida das pessoas, manifesta uma clara idéia de otimismo e de progresso internacionais, mas permite igualmente, a par da evolução da tecnologia destrutiva, o aumento da atuação transfronteiriça e do grau de violência das associações criminosas e dos grupos terroristas.
Se observando o fenômeno na sociedade, ganha espaço a classificação: criminalidade de massa e criminalidade organizada. A primeira projeta a idéia de infrações penais impulsionadas, na maioria dos casos, por circunstância de oportunidade. A segunda, ao contrário, difusa, sem vítimas individuais; o dano não é restrito a uma ou mais pessoas. Alcança toda a sociedade.
Verifica-se também, na atualidade, por outro lado, uma baixa efetividade dos órgãos policiais, em sua capacidade de controle e supressão do crime organizado. Talvez isso aconteça em função da premente necessidade de ajuste da legislação criminal vigente, hoje em franco descompasso com modalidades delitivas prevalentes na "Era da Informação". Uma das características adversas deste novo cenário é o fato da legislação tradicional não disponibilizar instrumentos ágeis e velozes de acesso das organizações policiais à informação, em uma decorrência da aplicação de princípios jurídicos obsoletos, mormente em sua referência à competência jurisdicional e administrativa das polícias investigativas, tanto da União quanto dos entes federativos.
O terrorismo, narcotráfico, contrabando, estelionato cibernético, pirataria, incluindo a corrupção e os delitos financeiros das mais diversas formas e expressões, são áreas emergentes da nova delinqüência do século XXI. No plano futurista estratégico, é de cogitar a possibilidade do surgimento de muitas outras modalidades delitivas, sequer imaginadas no presente, formando o "estoque" perverso de uma espécie de antigos mitos tornados realidade quanto ao crime e violência. Tais possibilidades, se materializadas, poderão causar prejuízos incalculáveis a um Estado determinado, constituindo ameaça estendível à totalidade da sociedade humana global. O próprio regime democrático mundial é hoje confrontado e posto à prova em sua efetividade, diante do que antes pareciam ser meras ameaças ao cotidiano ordinário da manutenção da lei e da ordem pública, com ocorrência em localidades específicas e envolvendo apenas alguns poucos indivíduos. Assim acontece hoje, por exemplo, com o narcotráfico, do qual deriva atualmente a possibilidade de estabelecimento dos chamados "Narco-Estados", países cujas instituições passaram a ser reféns da corrupção decorrente da produção e tráfico de drogas.
Na atualidade, novos criminosos, de alta sofisticação, atuando sozinhos ou em grupos, agem de forma diversificada e original, fazendo investimentos, "terceirizando" ações criminosas e dispondo de variados recursos tecnológicos altamente sofisticados. Em um outro novo desdobramento, esses "delinqüentes da era da informação" passaram a estar costumeiramente aliados a empreendimentos aparentemente legítimos, servindo de "fachada" para legalizar ou "lavar dinheiro sujo" (obtido criminosamente). É prática também crescente a penetração de tais delinqüentes em ambientes antes tidos como invulneráveis. Isso inclui as mais altas esferas do poder público, o executivo, legislativo e judiciário, bem como as próprias instituições da segurança pública, a polícia entre elas.
Em tal contexto, é fundamental que as técnicas de investigação policial também passem a ser complexas e sofisticadas, como pré-requisito básico para sua necessária efetividade. Assim, as atuais exigências específicas para o exercício profissional em uma organização policial passariam a estar condicionadas a novos conhecimentos, técnicas, habilidades e atitudes, tanto individuais quanto coletivas, envolvendo essencialmente um aumento da capacidade cognitiva policial.
Com o uso de tecnologias específicas, atualmente disponíveis, a cognição das organizações policiais pode ser significativamente incrementada em curto espaço de tempo, com tais instituições adquirindo uma visão prospectiva capaz de melhor definir, de maneira efetiva, o comportamento e o perfil do crime, criminosos e questões conexas.
Em jeito de conclusão, pode dizer-se que as sociedades atuais estão cada vez mais dependentes do fenômeno da globalização – o qual permitiu, por sua vez, a intensificação das relações sociais a uma escala mundial. Estas relações ligam lugares e agentes de tal maneira que as ocorrências locais e estatais são moldadas por acontecimentos que se dão a muitos quilometros de distância, num emaranhado de redes e de interesses interconexos.
O trânsito internacional, diga-se assim, ganha espaço cada vez maior com a globalização da economia, o aperfeiçoamento dos meios de comunicação e métodos internacionais de negócios, ensejando a transferência de capitais com facilidade, burlando a fiscalização oficial.


Não se pode olvidar ainda um ponto importantíssimo: o desequilíbrio econômico das nações. O rompimento de fronteiras, a aproximação das nações, mercados comuns, não obstante a desigualdade econômica desses países, facilita o intercâmbio criminoso. O tráfico de drogas, por exemplo, faz a ponte de país produtor, de trânsito e de consumo.
Esses grupos são dotados de poder econômico. Elegem determinado produto, mantêm rede de agentes. A criminalidade tradicional deixou de ser a grande preocupação. Os grupos organizados, ao contrário, ganham as fronteiras e difundem, por meios legais, as ações delituosas.
Infelizmente, as organizações criminosas e os grupos terroristas também encontraram na globalização o ambiente favorável à sua movimentação e expansão. Os terroristas e os criminosos movimentam pessoas, dinheiro, armas e explosivos num mundo em que tais fluxos, em escala cada vez maior, fornecem, com a ajuda das novas tecnologias, excelente cobertura para as suas atividades. A globalização, com o que tem, paradoxalmente, de aliciante e de ameaçador, assim o permitiu.



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